quarta-feira, fevereiro 06, 2008

A lição de vida e a obra da lenda-viva BRIAN WILSON

A lição de vida e a obra da lenda-viva BRIAN WILSON

O que diferencia o mero talento do gênio criativo? Ninguém sabe ao certo.
Sabemos, no entanto, que muitas obras-primas da arte e grandes descobertas científicas partiram de homens e mulheres na faixa dos 20 anos - idade suficiente para a aquisição de habilidades técnicas, mas não de vícios típicos das gerações mais velhas. Estudos indicam que pessoas muito criativas estão mais sujeitas a certas doenças mentais graves. Em alguns casos, os distúrbios contribuem para a realização de feitos notáveis, ainda que, posteriormente, possam arruinar a vida dos autores.
Talvez nenhuma outra história exemplifique melhor como uma doença mental pode estimular a criatividade, e depois acabar com ela, que a de Brian Wilson, o líder da banda Beach Boys.
Brian Douglas Wilson nasceu em 20 de junho de 1942, em Hawthorne, California, nos Estados Unidos. Ele foi o fundador, em 1961, dos Beach Boys.
Aos 22 anos, ele já havia renovado a música folk e alcançado enorme sucesso junto com os Beach Boys. Dezesseis canções da banda estiveram nas paradas americanas entre 1962 e 1965, como “Surfin' USA”, “Little Deuce Coupe” e “I Get Around”. Arranjador, produtor e principal compositor do grupo, Brian Wilson marcou sua geração com o lançamento de Pet Sounds, em 1966. Considerado um divisor de águas da música pop moderna, esse álbum introduziu novas técnicas de estúdio, temas introspectivos e estruturas harmônicas e rítmicas complexas baseadas no jazz e na música clássica. Para o célebre maestro e compositor Leonard Bernstein, Wilson é um dos maiores compositores do século XX. Segundo Paul McCartney, Pet Sounds foi a principal influência de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, o histórico álbum dos Beatles, de 1967.
Infelizmente, não tardou muito para que a importância do trabalho de Wilson fosse ofuscada por seus problemas mentais. Aos 20 e poucos anos - idade em que muitos distúrbios psiquiátricos se manifestam -, ele começou a ter dificuldades no relacionamento social, depressão, paranóia, que logo evoluíram para alucinações. O quadro progrediu durante a década seguinte e por muitos anos ele foi incapaz de se comportar como membro comum da sociedade, muito menos como bem-sucedido produtor musical.
As inovações musicais de Pet Sounds coincidiram com o início da psicose de Wilson, caracterizada pelo "afrouxamento" das conexões entre as idéias.
O ponto crítico ocorreu no fim de 1964 - Wilson sofreu um esgotamento nervoso durante um vôo para Houston. Para evitar o stress da estrada, interrompeu a turnê com os Beach Boys e se concentrou no trabalho de estúdio e de composição. Os resultados apareceram em dois álbuns lançados em 1965, The Beach Boys Today! e Summer Days (and Summer Nights!!), que já anunciavam tendências musicais que o consagrariam mais tarde.
Em Pet Sounds, Wilson queria se distanciar dos temas anteriores, ligados a surfe, carros e garotas, e para isso chamou Tony Asher para ajudá-lo nas letras das canções. Seu método de composição começava pelo piano, no dedilhar de sensações, fragmentos melódicos ligados a um determinado estado de espírito. Quando entrava no estúdio de gravação, já tinha em mente o arranjo completo, que em seguida era desconstruído para ensinar a cada músico a parte relativa a seu instrumento (de cordas, trompas e acordeões até jarras d´agua, buzinas de bicicleta e uma engenhoca eletrônica que produzia sons fantasmagóricos e depois ficou famosa em canções como Good vibrations). Wilson costumava mostrar os arranjos pessoalmente, pois era capaz de tocar quase todos os instrumentos.
A caixa Pet Sounds Sessions, de 1996, contém cenas de estúdio em que Wilson aparece como líder visionário de 23 anos, dirigindo músicos experientes para concretização de sua obra-prima.
Os vocais dos Beach Boys foram os últimos elementos gravados no disco. Apenas Wilson sabia como as partes iriam se encaixar, mas depois de reuni-las no estágio final de produção, o resultado foi sobrenatural. Nas notas que acompanham Pet Sound Sessions, o então editor-chefe da revista Billboard escreveu: "O que brilha mais forte por trás, dentro e acima desse material extraordinário é a presença de uma coisa inominada: a crença inabalável no poder perene daquilo que o ser humano tem de melhor".
Gravar faixas com diversos instrumentos e organizá-las de forma coerente e convincente são atividades que exigem o gerenciamento de conjuntos de informação mantidos na memória de curto prazo - uma função essencialmente executiva. Enquanto outros produtores da época gravavam canções relativamente simples com o grupo todo de uma só vez, Wilson era capaz de memorizar complexas harmonias e arranjos sinfônicos, gravar cada parte separadamente e depois reunir eletronicamente as peças do quebra-cabeça. A canção Good vibrations, que o próprio Wilson chamou de "sinfonia de bolso", foi gravada em 17 sessões em diversos estúdios. Fez tanto sucesso que até hoje é considerada uma das melhores canções pop da história. Good vibrations representou o casamento definitivo da criatividade com funções executivas e foi responsável por uma renovação da música popular americana.
Como alguém pôde ser capaz de tamanha façanha, que envolve concentração e percepção, enquanto sofria de uma doença mental grave?
A exuberância criativa de Wilson logo deu lugar à gravidade de sua doença mental progressiva. O equilíbrio entre inspiração e capacidade cognitiva foi finalmente rompido em 1967, quando ele e o letrista Van Dyke Parks montavam o álbum Smile.
Em Pet Sounds, ele havia aproveitado com maestria idéias musicais incomuns, como buzinas de bicicleta, para invocar temas da infância perdida. Já em Smile, os resultados foram bizarros: durante a gravação de "Mrs. O'Leary's Cow", seu piano foi colocado num tanque de areia e os músicos tiveram de usar capacete de bombeiro. Mas por ser tido como gênio, as pessoas geralmente perdoavam suas excentricidades, em vez de considerá-las sintomas graves. A gravação original de Pet Sounds revela mais uma falha de monitoramento: a mixagem final não eliminou ruídos de conversas no estúdio - algo inaceitável para seu grau de perfeccionismo.
Depois de finalizar os elementos de Smile, Wilson simplesmente não sabia o que fazer para reuni-los, e Parks deixou o projeto. Pressionado pela Capitol Records, emocionalmente frágil e sem apoio dos parceiros, ele abandonou Smile em meados de 1967. Naquele verão, Jimi Hendrix literalmente tocou os sinos que anunciavam a morte da surf music no Festival Pop de Monterey.
Intercalada por surtos de depressão suicida e psicose, a saúde mental de Wilson deteriorou-se progressivamente. Seu consumo habitual de drogas, que já poderia ser uma tentativa de autotratamento dos sintomas (algo comum em pacientes psicóticos), intensificou-se. Houve alguns surtos de criatividade, que nunca se equipararam, em amplitude e complexidade, ao seu trabalho anterior. Dificuldades para assumir o papel de pai e problemas com a esposa finalmente resultaram na separação em 1978. Nos início dos anos 80, ele chegou a pesar 136 quilos e passou 2 anos e meio deitado numa cama. Entre períodos de hospitalização e desintoxicação, o tratamento psiquiátrico sofreu muitas interrupções.
Devido a sua imensa notoriedade, os problemas mentais logo se tornaram públicos. A mídia o tratou como maluco. E como é comum acontecer com portadores de distúrbios executivos, sua condição o deixou vulnerável à exploração. Seu próprio psicólogo, Eugene Landy, assumiu a coordenação da sua vida e da sua carreira em meados dos anos 70 e depois novamente entre 1983 a 1991. Embora Landy tenha conseguido afastá-lo das drogas e ajudá-lo a emagrecer, ele criou uma relação perniciosa de dependência com o paciente: prescrevia drogas psicotrópicas, agia como conselheiro de negócios e tentava colaborar com o artista até mesmo na composição e na interpretação das canções.
O psicólogo acabou sendo processado pela familía de Wilson em 1990. Antes disso, porém, havia perdido a licença para exercer a profissão no estado da Califórnia, depois de admitir ter administrado drogas a Wilson de forma ilegal.
Ao longo da década de 90, ele passou por tratamentos mais convencionais, com medicamentos e psicoterapia. Nesse período, estabeleceu um relação estável com Melinda, sua segunda mulher. Em entrevista a Larry King, o casal revelou o diagnóstico: transtorno esquizoafetivo - uma combinação de sintomas da fase ativa da esquizofrenia (delírios, alucinações, discurso desorganizado) alternados por períodos de depressão.
Com o apoio da mulher e dos colegas, Wilson voltou a aparecer publicamente, gravar discos e tocar sozinho ou acompanhado por outros músicos, como o antigo guitarrista dos Beach Boys Jeff Foskett.
Os avanços no tratamento do transtorno esquizoafetivo contribuíram muito para o retorno de Wilson. Depois de mais de 30 anos, ele decidiu finalizar Smile, que havia sido considerado um dos melhores álbuns não-lançados da música contemporânea.
Devido a sua imensa notoriedade, os problemas mentais logo se tornaram públicos. A mídia o tratou como maluco. E como é comum acontecer com portadores de distúrbios executivos, sua condição o deixou vulnerável à exploração. Seu próprio psicólogo, Eugene Landy, assumiu a coordenação da sua vida e da sua carreira em meados dos anos 70 e depois novamente entre 1983 a 1991. Embora Landy tenha conseguido afastá-lo das drogas e ajudá-lo a emagrecer, ele criou uma relação perniciosa de dependência com o paciente: prescrevia drogas psicotrópicas, agia como conselheiro de negócios e tentava colaborar com o artista até mesmo na composição e na interpretação das canções. O psicólogo acabou sendo processado pela familía de Wilson em 1990. Antes disso, porém, havia perdido a licença para exercer a profissão no estado da Califórnia, depois de admitir ter administrado drogas a Wilson de forma ilegal.
Ao longo da década de 90, ele passou por tratamentos mais convencionais, com medicamentos e psicoterapia. Nesse período, estabeleceu um relação estável com Melinda, sua segunda mulher. Em entrevista a Larry King, o casal revelou o diagnóstico: transtorno esquizoafetivo - uma combinação de sintomas da fase ativa da esquizofrenia (delírios, alucinações, discurso desorganizado) alternados por períodos de depressão.
Com o apoio da mulher e dos colegas, Wilson voltou a aparecer publicamente, gravar discos e tocar sozinho ou acompanhado por outros músicos, como o antigo guitarrista dos Beach Boys Jeff Foskett.
Os avanços no tratamento do transtorno esquizoafetivo contribuíram muito para o retorno de Wilson. Depois de mais de 30 anos, ele decidiu finalizar Smile, que havia sido considerado um dos melhores álbuns não-lançados da música contemporânea.
Lançado em 2004, Smile foi aclamado pela crítica e pelo fãs do mundo todo. O sucesso é atribuído à qualidade do material original e à direção e ao apoio dos que o ajudaram a juntar as peças - pessoas que forneceram uma "prótese" para seus lobos frontais comprometidos. Segundo Timothy White, da revista Billboard, Wilson reconheceu essa necessidade já em 1976, quando disse numa sessão de gravação: "Alguma coisa aconteceu com a minha concentração. Não sei exatamente o que, mas por alguma razão ela está mais fraca. Perdi a capacidade de me concentrar o suficiente para seguir até o fim".
Wilson voltou a se apresentar ao vivo, sentado ao teclado, embora não toque tanto quanto antes. Sua voz é irregular, mas ainda aceitável. Nada disso realmente importa para os fãs que reconhecem a lenda viva que ele é. Seu apogeu criativo foi atingido quando era muito jovem, a despeito (ou talvez em parte por causa) da doença mental que lhe roubou habilidades cognitivas e quase o destruiu. Seu retorno aos palcos demonstra que, com tratamento apropriado e apoio, pessoas afetadas por disfunções executivas podem atuar em áreas muito especializadas, apesar da persistência dos sintomas.
Durante esse longo e triste período, alguns membros da família Beach Boys partiram. Dennis, irmão de Wilson e o coração da banda, afogou-se em 1983. Outro irmão, o guitarrista Carl, morreu de câncer em 1998. Embora Pet Sounds tenha sido um jóia da época, o ambiente político, cultural e musical que deu origem a Smile, em 1966, logo se transformou em território de violência, guerra e inocência perdida.

Discografia com os Beach Boys:

- Surfin' Safari (1962)
- Surfin' USA (1963)
- Surfer Girl (1963)
- Little Deuce Coupe (1963)
- Shut Down Volume 2 (1964)
- All Summer Long (1964)
- The Beach Boys' Christmas Album (1964)
- The Beach Boys Today! (1965)
- Summer Days (and Summer Nights!!) (1965)
- Beach Boys' Party! (1965)
- Pet Sounds (1966)
- Smiley Smile (1967)
- Wild Honey (1967)
- Friends (1968)


Discografia solo

- Brian Wilson (1988)
- I Just Wasn't Made for These Times (1995)
- Orange Crate Art (1995)
- Imagination (1998)
- Live at the Roxy Theatre (2000)
- Pet Sounds Live (2002)
- Gettin' In Over My Head (2004)
- Smile (2004)
- What I Really Want for Christmas (2005)


Fontes: UOL / Wikipédia

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