"Smile": a obra-prima adiada de BRIAN WILSON
Em Fevereiro de 2004, o Royal Festival Hall de Londres teve a oportunidade de assistir à série de concertos em que Brian Wilson recuperou e tocou na íntegra “Smile”, o álbum perdido dos Beach Boys. Na plateia, ao longo de seis noites, seguidores de todo o mundo misturavam-se com Robert Plant, Roger Daltrey, George Martin ou Bobby Gillespie. O silêncio absoluto com que “Smile” foi ouvido pelos devotos foi contraposto pela esmagadora aclamação no final do concerto e nas semanas que se seguiram.Nada de surpreendente tendo em conta que fenômeno idêntico já se tinha passado quando Brian apresentou em 2003 a sua triunfante “Pet Sounds Tour”, na qual interpretava na íntegra o igualmente mítico álbum de 1966. Foi uma espécie de cerimônia onde Brian estava afinal a pregar aos convertidos. A maioria do público estava familiarizada com a lenda de “Smile”, o álbum gravado pelos Beach Boys entre 1966 e 1967 e que nunca veria a luz do dia, tendo sido substituído por um sucedâneo, “Smiley Smile”, que repescou algumas canções de “Smile” em versão mais convencional.
A história da concepção e do desaparecimento de “Smile” é bem conhecida: Em 1966, Brian já havia renunciado à maioria dos concertos ao vivo dos Beach Boys para se dedicar em exclusivo à composição. O encontro com Van Dyke Parks fez ver a Brian que tinha um parceiro com letras à altura das suas composições. Wilson preparava-se então para gravar “Dumb Angel”, o “working title” do sucessor de “Pet Sounds”. O duo trabalhou entre Julho e Setembro, ao mesmo tempo que Brian gravava o single “Good Vibrations”. Por essa altura o projecto assumiu o nome “Smile” e chegou a ser executada a capa e o booklet pelo artista californiano Frank Holmes.O lançamento foi sendo sucessivamente adiado até que Derek Taylor, o relações públicas do grupo, anunciou em Maio que “Smile” não seria lançado. Ainda nesse ano os Beach Boys ainda repescaram “Heroes And Villains” e regravaram “Wonderful, Wind Chimes” e “Vegetables“ para “Smiley Smile”. A partir daqui Brian sempre rejeitou recuperar o projecto ou as suas canções. As aparições posteriores do restante material de “Smile” (“Cabinessence”, “Our Prayer” e “Surf’s Up”) são da responsabilidade de Carl e Dennis Wilson, que as regravaram ou se limitaram ao overdubbing das gravações originais. Na história dos Beach Boys “Smile” não é o único álbum perdido. “Landlocked”, gravado em 1971 foi cancelado e substituído por “Surf’s Up” e, em 1977, “Adult Child” e o disco de Natal “Merry Christmas From The Beach Boys” foram gravados mas nunca chegaram a ser editados.
Projecto ambicioso, sem paralelo na cena pop americana dos anos 60, muito embora outro génio contemporâneo de Brian – Roger McGuinn dos Byrds –, tivesse aspirado a algo semelhante em 1968 quando se abalançou, sem sucesso, na escrita de um “concept álbum” que encerrasse as várias músicas da América do Século XX. Afinal o que significa este “Smile” de 2004? Trata-se de uma regravação e não do aproveitamento de qualquer das peças gravadas entre 1967 e 1968. A idéia surgiu quando Darian Sahanaja (líder dos notáveis Wondermints e director musical da banda de suporte de Brian) e Van Dyke Parks, preparavam em conjunto com Brian os concertos do Royal Festival Hall e a digressão subsequente.
Esta não é a obra de um diletante, um capricho irregular alimentado a ácidos. Também não é um “concept album” no sentido ortodoxo do termo. Há uma organização dentro da aparente falta de ligação temática das letras imaginadas por Van Dyke Parks. “Smile” toma agora a sua verdadeira dimensão e o lugar de destaque, adiado por mais 30 anos, na música popular norte-americana, da qual é uma síntese perfeita, cobrindo da folk ao country, das toadas dos pioneiros do Mayflower às sofisticadas suites de Gershiwn, passando pelas canções de Cole Porter e pelo jazz de Miles Davis.
A nova versão de “Smile” serve também para confirmar que o disco sempre foi de Brian Wilson e Van Dyke Parks e não um projecto colectivo dos Beach Boys, e que tem muito mais afinidades com “Song Cycle” e “Discover America” – outras duas belíssimas sínteses da música popular norte-americana da autoria deste último –, do que com “Pet Sounds”.Se “Smile” tivesse sido lançado em 1967 seria um dos álbuns do ano. Em 2004 foi o álbum do ano.
Texto de Antônio Alves - Fonte: Mondo Bizarre















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